Além das boas ideias

Quando falamos sobre criatividade a palavra “ideia” nos vem logo à cabeça. Nada mais natural, pois o que move o espírito criativo é a nossa capacidade de gerar possibilidades de ver, interpretar e formular novas alternativas para o mundo sob uma ótica incomum. Em tese, potencialmente, nascemos todos criativos. Porém, o fato de termos apenas ideias interessantes e não usuais não nos credencia a nos auto-intitularmos de “uma pessoa criativa”. Para explorarmos nosso potencial criativo, de fato, precisamos de algo mais. 

Roger Von Oech, em seu livro “Um chute na rotina”, fala de quatro arquétipos por ele identificados no processo criativo. Esses arquétipos são papéis que desempenhamos quando estamos envolvidos verdadeiramente em algo que podemos chamar de criatividade e que vai além dos limites da geração de boas ideias. Ele define esses quatro personagens da seguinte forma: o EXPLORADOR, que é aquele que está presente quando vamos em busca de fatos, conceitos, conhecimentos, sentimentos e outras coisas mais, que são a matéria prima para a criatividade. O explorador irá aos lugares que outras pessoas jamais pensariam ou teriam coragem de pisar os pés. Após o trabalho do explorador, aparece o ARTISTA, cujo desafio é dar forma, organizar o que o explorador lhe trouxe, buscando maneiras inusitadas para juntar e dispor os elementos, criando algo novo. 

Para saber se os arranjos e combinações elaborados pelo artista, que usou os insumos trazidos pelo explorador, servem para alguma coisa, se possui valor e se vão ajudar as pessoas de alguma forma, entra em cena o JUIZ. É ele quem decide. Para isso ele pondera, analisando os prós e os contras, para só então decidir se vale à pena ou não investir na apresentação do que está sendo proposto. 

Por fim, chega a hora da verdade, é quando alguém tem que apresentar a novidade, ou seja, vender a ideia. Essa é uma tarefa árdua, pois é nesse momento que a proposta é confrontada com a aceitação do público. Nesse instante, aparece o papel do GUERREIRO, que é um misto de general e soldado, pois ao mesmo tempo em que pensa na estratégia, tem que colocá-la em prática. 

Pessoalmente, gosto muito de como Von Oech aborda o processo criativo, particularmente quando ele fala do GUERREIRO, pelo fato de ser o personagem cuja atitude pode acarretar em uma transformação positiva da realidade e, sem a ação do qual, nada aconteceria. Porém, no processo criativo, precisamos incorporar os 4 arquétipos, dando o nosso melhor, compreendendo a importância de cada um. 

Existe uma historinha que acredito bem representar a importância de todos esses personagens para a criatividade, cuja presença e efetiva atuação do GUERREIRO, indiscutivelmente, é imprescindível para o alcance daquilo que desejamos. Eis a história: 

NO TEMPO EM QUE OS BICHOS FALAVAM  

 Houve um tempo em que os bichos falavam, e eles falavam tanto que Esopo resolveu recolher e contar as histórias deles para todo mundo. 

Esopo era escravo de um rei da Grécia, e divertia-se inventando uma moral para as histórias que ouvia dos animais. Na verdade, nem todos os moradores eram capazes de entender a linguagem dos animais, mas Esopo era. Sobretudo dos pequeninos, que falavam muito baixinho, como por exemplo, os ratinhos que moravam num buraco da parede da cozinha do palácio. 

Um dia, quando limpava o chão da cozinha, Esopo ouviu uns ruídos que vinham do buraquinho. Os ratinhos estavam muito agitados e preocupados, pois o rei havia colocado um gato grande e forte para tomar conta dos petiscos reais e o tal gato não era de brincar em serviço, já tinha devorado vários ratos.

 Esopo apurou os ouvidos e pôde ouvir tudo o que os ratinhos diziam: 

Um deles muito espivitado, parecia ser o líder, de cima de uma caixa de fósforos, discursava: 

- Meus Amigos, assim não é mais possível, não temos mais paz e tudo porque o rei resolveu trazer aquela fera para cá. Precisamos fazer alguma coisa, e logo, porque senão esse gato vai acabar com a nossa raça!

 Era uma assembléia de ratos e todos estavam empenhados em solucionar o problema que os afligia: um gato, grande e forte, que o rei havia mandado colocar na cozinha. 

Já tinham perdidos vários amigos nos dentes afiados da fera: o Provolone, o Roquefort, o Camembert e o pobre do Tatá, o mais amado de todos. 

Planejaram, planejaram e não conseguiram chegar a nenhuma conclusão que agradasse a todos.

 Precisavam de estratégias eficazes e seguras. 

Uns achavam que deveriam matar o tal gato; outros diziam que era impossível: “matar uma fera daquelas?” 

Horácio estava quase convencido de que a sina de seu povo era morrer entre os dentes do gato. Com lágrimas nos olhos, já ia descendo da caixa de fósforos quando Frederico, um ratinho muito tímido que nunca falava, resolveu dar sua opinião: 

Como vocês sabem, eu não gosto muito de falar, por isso serei rápido, mas antes vocês vão responder a uma pergunta: Por que esse gato é tão perigoso para nós, se somos tão ágeis e espertos? 

E Horácio respondeu: 

Ora, Frederico, esse gato é silencioso, não faz nenhum barulho. Como vamos saber quando ele se aproxima? 

Exatamente como eu pensei. Perdoem-me a modéstia, mas acho que a ideia que tive é melhor de todas que ouvi aqui. Vejam só, é simples: Vamos arrumar um guizo, pode ser até aquele que pegamos da roupa do bobo da corte. Lembram? Aquele que achamos bonitinho e que faz um barulho enorme. 

Os ratos não estavam entendo nada, para que serviria um guizo? 

Frederico tratou de explicar: 

A gente pega o guizo e coloca no pescoço do gato. Quando ele se aproximar, vamos ouvir o barulho e fugir. Não é simples? 

Todos adoraram a ideia. Era só colocar o guizo que todos ouviriam o gato se aproximar. Todos os ratos foram abraçar Frederico e estavam na maior euforia quando, de repente, um ratinho que não parava de roer um apetitoso pedaço de queijo, resolveu perguntar: 

Mas quem é que vai colocar o guizo no pescoço do gato?

Todos saíram cabisbaixos. Como não haviam pensado naquilo antes? Era o fim da euforia dos ratinhos.

 Para Esopo, a moral da história era a seguinte: “Não adianta ter boas ideias se não temos quem as coloque em prática”. Ou ainda: “Inventar é uma coisa, colocar em prática é outra”. 

Para a nossa reflexão: O que motiva as pessoas na sua escola a terem boas ideias? Se as pessoas em sua escola têm boas ideias o que elas precisam fazer para colocá-las em prática? Será que precisam incorporar o GUERREIRO? 

Pense a esse respeito!